domingo, janeiro 31, 2016

Os novos velhos


Obedeço muito pouco a critérios rígidos. Gosto da minha liberdade talvez porque ela me foi difícil de obter. Primeiro foram os Pais. Depois foi o marido, que sendo um homem de profunda cultura, tolerava bastante mal quem não pensasse como ele. Tudo era subtil, nada era forçado. Mas, à distância dos anos, penso que essa era, afinal, uma forma de impor os seus pontos de vista, ao deixar-nos com a sensação de que éramos inúteis ou medíocres por não pensarmos da mesma forma.
Hoje tudo me aparece muito claro mas, na altura, foi causador de muito sofrimento e de uma falta de confiança em mim própria, de que só recuperaria com o divórcio.
Na altura, sendo o seu grupo considerado progressista, eu era a reaccionária de serviço. Hoje rio-me porque os que ainda estão vivos, parecem-me de um reaccionarismo atroz, enquistados nas suas glórias passadas e incapazes de acompanhar o mundo actual. Pensam como velhos de um Restelo que já não existe, não percebem as novas tecnologias, mas continuam a insistir em moldar o mundo à sua imagem e semelhança. E ficam felizes quando alguém se lembra de os convidar a dar a sua opinião. Enfim, existem, falam quando não devem e calam quando deviam falar.
A estes opõem-se outros, igualmente velhos, mas que parecem não ter idade. Acompanham as transformações da sociedade em que vivem e não abdicam do gosto de se transformarem com ela. Parece que não têm idade e o seu relacionamento com os jovens só mostra como estão vivos. Sabem fazer silêncio quando é preciso e sabem fazer-se ouvir quando é necessário. São os novos velhos. Que constituem, inegavelmente, um dos pilares do nosso mundo actual. Que os não despreza e antes os sabe apreciar. É um dom poder ser-se assim!

HSC

terça-feira, janeiro 26, 2016

Sexismos


Nunca fui apologista do "regime de quotas" para as mulheres. Por várias vezes manifestei que entendias as razões do mesmo, mas não as aprovava. Não gosto de discriminações de qualquer natureza, nem mesmo daquelas que têm carácter positivo. A nossa luta sempre foi feita na base daquilo que somos e não na base do que os "outros" querem que sejamos. Continuo a pensar o mesmo e a acreditar que é pelo valor pessoal que devemos ser escolhidas e não pelo género a que pertençamos.
Dito isto, julgo inadmissível que um partido político - neste caso o PCP, paladino da igualdade -, ouse avaliar, numa piada sexista, o trabalho desenvolvido por uma ou duas candidatas à Presidência da República, com base no seu aspecto físico e muito desrespeito pela causa pública que corporizam.
Marisa Matias - goste-se ou não dela e admitindo que seja a visada - foi uma ganhadora, como já antes Catarina Martins ou Mariana Mortagua haviam sido. São factos e contra estes não há argumentos. Ou não devia haver. É por esta e por outras que as quotas não me agradam. É que elas irão servir sempre como arma de arremesso contra as próprias mulheres que desse modo se arriscam a nunca ver reconhecido o seu real valor.
O caminho faz-se caminhando e estas mulheres, como muitas outras menos conhecidas, mostram que os tempos mudaram e uma altura virá em que o "género" já não terá grande importância. Resta o peso da maternidade que continua a ser impeditivo de algumas escolhas. Mas basta que a sociedade o passe a olhar com a atenção que ele merece e a legislar em conformidade. Basta ter a coragem de o enfrentar.

HSC

segunda-feira, janeiro 25, 2016

O fenómeno Marcelo


Pode não se gostar de Marcelo Rebelo de Sousa e até ter razões para isso. Mas é difícil ficar-se indiferente ao fenómeno que ele corporiza, ao realizar um sonho, que se adivinha antigo, da forma como ele o fez. É a vitória de um homem só por mais que se diga que a sua base de apoio é a direita. Ganhar em todos os distritos, sem cartazes e sem máquina partidária, numa das mais económicas campanhas presidenciais, não pode ser apenas isso. Marcelo sozinho representa bem mais do que a direita. É um facto!
E é este facto que vale a pena ponderar. Tanto no governo como na oposição. Porque ter o país todo verde - a cor que o representa - não é um feito para qualquer. Estou à vontade para o dizer porque não sendo uma convicta marcelista, o fenómeno que ele representa está longe de me ser indiferente.
Como também me não é indiferente o que aconteceu a Maria de Belem, que vale seguramente mais do que os votos que recebeu. Também aqui julgo que o PS tem matéria séria para pensar. É que nem o facto de António Costa ter falado à nação como PM e não como lider do partido, altera este facto. Pelo contrário, até o torna mais premente.
Uma última palavra para o discurso de Sampaio da Novoa que merece ser salientado, quando refere que, a partir daquela altura, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, era o seu Presidente da República. Nem todos foram capazes disso!

HSC

domingo, janeiro 24, 2016

Acontece...

Fujo dos médicos como Diabo da cruz, convencida que estou, que, se os consultar por rotina, entro saudável e saio doente. Tinha duas excepções a tal regra. Mas, depois da morte do Miguel, até estas se diluíram, o que analiticamente não deixa de ser significativo. 
Todavia, costumo respeitar os tratamentos aconselhados e, preventivamente, tomar as respectivas precauções. Foi assim que me vacinei contra a gripe e não fiz a da pneumonia por, ao fim de 3 anos, a ultima que tomei se considerar ainda activa.
Pois bem, apesar de tudo isto apanhei uma carraspana tão forte que atirou comigo para a cama e para um estado que, pela primeira vez, me assustou de verdade e pôs em causa a minha habitual "imortalidade". 
Começou com uma espécie de constipação, mas depois tornou-se num estado de mau estar generalizado, com as vias respiratórias e as amígdalas no seu pior. Antibiótico a dobrar, e um não funcionamento físico que derivava, em simultâneo, da doença, dos tratamentos e das noites sem dormir. Enfim uma lástima!
Assim, pensei que nem a missa nem o voto contariam com a minha presença. E, devo confessar, mau grado meu, que, se à primeira eu achava que poderia faltar, ao segundo eu não queria, mesmo, deixar de ir. Mas como gosto muito pouco de pedir favores aos familiares - somos bastante confiantes na auto-suficiência de cada um - tinha decidido mandar chamar um carro para ir cumprir o dever cívico. 
Curiosamente a Uber, num gesto muito inteligente, decidiu fornecer aos  seus clientes um serviço gratuito para este efeito, que eu me preparei para usar. Afinal, uma boleia caridosa havia de me levar e trazer sã e salva para casa. Aqui me têm, em estado muito manhoso, mas com o dever cívico cumprido. Nosso Senhor, desta vez, terá que me perdoar o tê-lo preterido. Acontece!

HSC

quarta-feira, janeiro 20, 2016

Dar folga à Inteligência!

Há dias um amigo confessava-me a estranha sensação de insegurança com que andava, sem perceber porquê, visto que a vida dele e a sua saúde não mostravam qualquer alteração. O caso não me teria preocupado particularmente, se não fosse a frequência com que alguns outros, em conversa, terem já abordado a questão de com eles se passar algo semelhante.
Ora nas minhas amizades não existem - sorte minha - grandes pessimistas. Há umas e uns mais cépticos em relação a determinados assuntos, mas nada, suponho eu, que justifique este pano de fundo.
Cogitando sobre o assunto, a explicação que me parece mais plausível vem da demasiada atenção com que grande parte deles segue os noticiários e o futebol. É impossível, nas actuais circunstâncias, tal não acontecer. As desgraças no mundo e no país abrem a maioria dos telejornais e o futebol, essa alegria nacional, parece atingida por uma vaga de intempéries sucessivas. Até eu, que sou sportinguista, de vez em quando apanho uns sustos...mas vá lá não me deprimem!
Aconselhei este meu amigo a fazer uma pausa, a dar uma folga à inteligência, a ver os canais Fox que repetem dezenas de vezes os mesmos episódios, a fixar-se na gastronomia - além dos nacionais há uns na televisão francesa excelentes - e a cozinhar. Tudo, afinal, o que um homem não costuma fazer...

HSC

terça-feira, janeiro 19, 2016

Histórias de amor (5)

Decidimos todos que a festa do Rodrigo e da Maria do Carmo não se faria, porque ele tinha partido. Mas não a queríamos desamparada. Por isso enchemos a casa deles de carinho não a deixando meter solitária a chave na fechadura. 
Primeiro ela não nos queria lá, mas como não arredámos pés, deitou-se e duas horas depois juntava-se a nós na sala de jantar. Eu percebi nessa altura que, agora, teríamos de ser nós, os seus amigos, a revezar-nos para não a deixar sozinha.
Há lutos solitários, silenciosos, que se arrastam como uma morte viva. Há outros que carecem de presença, de som e de vida. A Maria pertence a esta última categoria, pelo menos, até se re-centrar e aprender a conviver com o som do silêncio. Aquele que vem do soalho, dos móveis que rangem, das vozes na rua. Essa é uma escola dura, a da aprendizagem de viver consigo próprio e de tirar prazer disso.
Sei bem o preço desse caminho e o profundo auto conhecimento que ele pode trazer. Só espero que o amor dos amigos - aquele que nunca me faltou - a compense, a ela, da perda que sofreu!

HSC

segunda-feira, janeiro 18, 2016

João Gilberto


João Gilberto - um cantor sem idade - em 2008, no show de comemoração dos 50 anos da Bossa Nova. Uma maravilha!

HSC

Histórias de amor (4)

Ela é médica. Ele era dono de uma loja sem qualquer pretensão. Nada, à partida, os aproximaria, porque até o estrato social de onde cada um provinha era muito diferente.
Um dia encontraram-se num café  que não ficava, sequer, nos seus locais de percurso habituais. O carro dela tivera uma pane e o abrigo mais próximo para esperar auxílio fora uma leitaria. Ele andava perdido à procura de uma rua que não conseguia encontrar. Entrou ali para ver se alguém conhecia o tal local. Por uma rara coincidência, ela conhecia bem a morada porque tinha lá uma paciente que visitava com regularidade. Juntaram-se duas necessidades e o carro dele levou-a casa, depois dela lhe sinalizar o endereço.
Os meses passaram e a história foi esquecida. Mas o que tem de ser tem muita força e, uma noite, num choque de automóveis, o ferido foi ele. E a médica de serviço no hospital que o assistiu foi ela. Desde então não mais se separaram. Até hoje, que ele foi a enterrar. Amanhã fariam 50 anos de casados e eu estaria na festa que ambos tinham preparado!

HSC

Histórias de amor (3)


A política, quando exercida com profundo empenho, pode também ser o relato de uma história de amor. Ou de uma vocação, o que não é, afinal, muito diverso. E quando não toma exactamente essa forma, tem normalmente por detrás de si, algo que se lhe assemelha.
Não é por acaso que religião, futebol e ideologias se não discutem calmamente e são marcadas por um tal ardor que mais não é que uma forma de paixão.
Quis o destino que apenas me motivasse o primeiro destes temas e já tardiamente na minha vida. Mas sou incapaz de o abordar com o calor que outros têm. Não porque me interesse menos ou porque lhe dê menos importância, mas porque fico aflita quando vejo gente a gritar, a impor o seu ponto de vista, enfim, a tentar liquidar o seu adversário.
Porém pode perguntar-se se fora destes temas eu não reajo doutra forma. Creio ser sincera ao responder não. Quem, como eu, vê o que se escreve a favor e contra um filho meu, não pode dar-se ao luxo de ter estados de alma com o que lê. Porque, se fosse o caso, eu já estaria hospitalizada...
Confesso que gostava, por um período muito curto, de ser capaz dessa chama que envolve quem faz política por paixão. Só para sentir essa vibração por uma ideia e ver se ela é muito diferente daquela que se sente por uma pessoa. Mas não aguentaria jamais o confronto que transforma o adversário num inimigo. Deve ter sido pr isso que Deus me não bafejou com tal qualidade...

HSC

domingo, janeiro 17, 2016

Histórias de amor (2)

Há temas e situações que a nossa mente entende, mas às quais o nosso coração tem dificuldade em aderir. Eu compreendo que a natureza dotou certas pessoas com característica diferentes das minhas mas, por vezes, tenho dificuldade em me colocar na posição delas.
Vem este intróito a propósito da transexualidade, fenómeno que sei existir, de que hoje já se fala, mas de cuja vivência só nos apercebemos quando vimos um filme como a Rapariga Dinamarquesa. De facto, a classificação tão difundida entre nós, da "normalidade", faz com que tudo aquilo que não caia dentro dela, acabe por nos perturbar.
A transexualidade que reporta, no fundo, à divergência entre o género com que se nasce e aquele com que nos sentimos é um drama terrível. Nascer-se homem, viver-se como tal e sentir-se mulher, ou vive versa é algo, para mim, dificilmente imaginável no quotidiano, apesar de intelectualmente o assunto me não levantar qualquer espécie de dúvida ou constrangimento.
Pois bem, ver a história de amor de um casal feliz, transformar-se num pesadelo, porque um deles sente que não pertence ao sexo com que nasceu é altamente perturbador, sobretudo porque o amor continua a existir, mas a sua expressão física se tornou impossível. O que nos levaria a perguntar, o que é, afinal, o amor, quando se acompanha uma história como esta!

HSC

segunda-feira, janeiro 04, 2016

Histórias de amor (1)

Nunca soube se ele a amou ou não. Porque não sei se ele é capaz disso. Mas sei que ela o amou perdidamente.
Há histórias de amor que são sucessivos desencontros. Mas tornam-se tão fortes, que nunca chegaremos a perceber como nasceram e como se desenrolaram. Esta é disso exemplo típico.
Ela bebia os minutos ou as poucas horas que ele lhe dedicava, tolerante que era da vida familiar que lhe conhecia e que, para o não perder, jamais questionava.
Ele dedicava-lhe apenas algumas visitas mensais. Aquelas que, ele sabia, lhe traziam descanso e acalmia. Não era, objectivamente, uma história de sexo. Era uma história de dependências. De grau diferente, mas ambas indispensáveis à vida de cada um. A ele, para manter a rotina da família que o cansava. A ela, para conseguir sobreviver e aguentar a solidão dos dias em que o não tinha.
Seria uma história de amor? Não sei, ainda hoje, responder. Sei, isso sim, que há histórias em que o amor é, também, esta forma de magoada desigualdade.

HSC

sábado, janeiro 02, 2016

Recomeçámos


Depois das Festas e dos ruídos, a vida volta à normalidade, com as contas ao fim do mês, as crianças que tornam aos estudos, a roupa para lavar e passar, enfim, o regresso do quotidiano que, por uns dias, pareceu deixar de existir.
No campo da política iniciaram-se os debates para as presidenciais, que parecem não interessar muito e que, pela amostra que ontem vi, irão servir, também, para lançar alguma lama sobre quem a isso se preste.
Curiosamente, esta manhã assisti um interessante debate na RTP3, num programa que me parece que se chama Política Sueca. Falou-se do discurso de Cavaco Silva e dos confrontos entre os candidatos presidenciais, mas com calma, sem se precipitarem uns sobre os outros, o que permitiu, pelo menos para mim, ficar mais esclarecida. Uma novidade que merece elogio!
Como tive tempo vi canais estrangeiros, conversas interessantes e noticias frescas. Fico sempre com a impressão de que os países latinos são verbalmente mais violentos do que os outros. E de que é essa violência que afasta as pessoas da discussão dos problemas reais do país onde vivem. 
Estamos, portanto, de novo, no nosso Portugal. Com alegrias e tristezas. Como o tempo, que oscila entre a chuva e o vento versus o sol a tentar furar ambos. Até dia 24 vai ser mais ou menos isto. Depois caminhar-se-á para a Primavera, que se espera seja benigna!

HSC

sexta-feira, janeiro 01, 2016

Afinal...

Um dos aspectos que mais aprecio na vida é a imprevisibilidade. Por natureza ninguém conhece o futuro. Mas não é  a essa incerteza que me refiro. É à capacidade de, no último minuto, aparecer a oportunidade de fazer algo completamente diferente daquilo que esperávamos fazer. Digamos, em termos mais comuns, que a surpresa é uma componente que me agrada e à qual sou sensível.
Como já disse as hipóteses para estas festas eram diversas. Acabou por vingar a que menos possibilidades tinha e que foi a de passar a noite em família restrita, vestida como quem está em casa, comendo, bebendo, petiscando, sentada no chão a gozar os últimos dias de estadia entre nós do meu irmão mais novo e da minha querida cunhada.
Rimo-nos e já noite alta acabámos a recordar as Festas em que a nossa Mãe comandava as operações que nós orgulhosamente cumpríamos e onde todos os amigos solitários encontravam abrigo. Quem viveu em África percebe isto muito bem, porque quando se está longe da família, os amigos tomam o seu espaço. Daí que, não raras vezes, entrasse em minha casa, gente que não conhecia, mas que era parte da vida da nossa Mãe, no continente africano onde viveu.
Foi assim uma entrada em 2016 calorosa, tranquila e plena de espírito de família, o que me soube como o melhor dos presentes!

HSC